Ao contrário
do senso comum, a característica não está ligada à excelência, mas ao esforço
obsessivo para evitar a falha.
Por Maria de
Lima
Muitas
pessoas que se definem perfeccionistas falam sobre seu modo de ser como se
fosse um dom especial, porque associam a característica ao alto desempenho e à
busca da excelência. No entanto, ao contrário da crença popular, o
perfeccionismo está mais ligado ao medo do fracasso do que ao esforço
consciente em atingir qualidade superior, e, conseqüentemente, o sucesso.
As
perspectivas do perfeccionista são diferentes das do funcionário zeloso e
dedicado. Enquanto o primeiro tenta, de forma obsessiva, evitar o erro e
tornar-se perfeito, o segundo compromete-se a oferecer o melhor de si e seguir
aprendendo, mesmo diante de suas falhas.
Esforçar-se
na busca da qualidade é admirável e até indispensável para sobreviver e crescer
no competitivo mundo dos negócios de hoje. Mas distinguir-se pela excelência
exige a definição de metas realistas e atingíveis. É diferente do
perfeccionismo, cujo padrão de exigência, na maioria das vezes, está fora da
realidade. Para o perfeccionista não existe meio termo: é a perfeição ou nada.
Nunca se satisfaz com o próprio desempenho e refaz tanto uma tarefa que acaba
perdendo a originalidade da idéia. Isso pode conduzir-lhe a outro problema: a
procrastinação. Se você acreditar que a única saída é fazer uma atividade
perfeita, pode criar desculpas para adiar ou evitar tarefas mais difíceis e
desafiadoras.
O psiquiatra
e consultor de empresas Paulo Gaudêncio afirma que o perfeccionismo é um
desajuste emocional que afeta todos os campos da vida, e é um problema mais
comum do que se imaginava. “O perfeccionista é auto-suficiente, não precisa de
inimigo, ele se basta”, diz. Brincadeira à parte, Gaudêncio cita quatro
conseqüências negativas relacionadas ao problema:
Insatisfação
pessoal - Falta alegria e contentamento na vida do perfeccionista. Ele
trabalha arduamente e nunca consegue atingir seus objetivos porque suas
expectativas são irreais. “A perfeição é impossível ao ser humano”, lembra,
destacando que, ao fazer uma auto-avaliação, a pessoa orientada para a
excelência se dá uma nota, enquanto o perfeccionista lamenta o que deixou de
obter.
Baixa
auto-estima - O fato de nunca atingir suas metas o torna
frustrado, reduz sua auto-estima e seu sentimento de valor próprio. “O
perfeccionista sente-se inferior e realmente é inferior em relação ao que se
cobra”, explica.
Queda de
produtividade - Dedica-se tanto para aprimorar uma tarefa
que acaba fazendo muito pouco. “O perfeccionista é improdutivo, quando não
paralisante. Ainda que produza, produz muito pouco e chega ao fim do percurso
exausto”, diz o psiquiatra citando a máxima popular: “o perfeito é inimigo do
bom”.
Dificuldades
nas relações interpessoais - “O perfeccionista cobra a perfeição dele e
de todos, e a única coisa que consegue ser é um perfeito chato. É a única
neurose que traz orgulho”, brinca Gaudencio, referindo-se ao fato de o
perfeccionismo ser visto como qualidade por muitas pessoas.
Perfeccionismo
está ligado à depressão Em um artigo publicado pela American Psychological
Association (APA), o psiquiatra Sydney J. Blatt cita um estudo que relaciona o
perfeccionismo em pessoas altamente realizadoras à depressão e, nos casos mais
extremos, até ao suicídio. Ele informa que os pesquisadores identificaram três
tipos de perfeccionismo: o primeiro orientado para os outros – caracterizado
pela ânsia de que as pessoas cumpram exigências e expectativas exageradas e
irrealistas; o segundo, imposto a si mesmo, e o terceiro orientado para o
social, ou seja, com base na crença de que os outros mantêm expectativas
excessivamente altas e difíceis, se não impossíveis, de ser atendidas. Nesse
caso, o perfeccionista acredita que terá de atender a essas exigências para
obter a aprovação dos outros.
Blatt também
diferencia o perfeccionismo “normal” do neurótico. Para ele, no primeiro caso o
indivíduo mantém a satisfação enquanto luta para exceder-se, sempre tendo em
vista as limitações pessoais, alheias e circunstanciais. Já o perfeccionista
neurótico mantém a obsessiva necessidade de evitar erros e é incapaz de
satisfazer-se com um trabalho considerado bem-feito pelas pessoas menos
exigentes.
“Nenhuma
coisa poderia ser feita se o homem esperasse até poder fazê-la tão bem a ponto
de ninguém encontrar falhas nela.”
John Henry Newman, cardeal inglês
John Henry Newman, cardeal inglês
Perfeccionismo
pode comprometer sua eficácia
Embora muitas
pessoas bem-sucedidas sejam perfeccionistas, essa não é uma condição para o
sucesso. Ao contrário, pesquisas indicam que os perfeccionistas produzem menos
e têm menos chances de atingir o sucesso que as pessoas menos exigentes. Mas
isso não significa que você possa ser relaxado com seu trabalho. Deve ter a
excelência como meta, mas sempre levando em conta as necessidades e os
objetivos da empresa. Isso significa que, antes de iniciar alguma tarefa, você
precisa ter em mente:
Timing -
Reconhecer o momento certo para iniciar e concluir determinado projeto ou
tarefa. De que adiantaria, por exemplo, você se esmerar para produzir um
relatório impecável se, no dia da apresentação, seu trabalho não estiver
pronto?
Resultados -
Compreender que o mundo dos negócios é movido efetivamente por resultados. “O
perfeccionista tem dificuldades para produzir resultados porque seu nível de
exigência é tão elevado que nada lhe agrada”, afirma a doutora em Planejamento
de Carreira, Dulce Magalhães, sócia da Work Educação Empresarial. “As pessoas
que não esperam resultados perfeitos realizam mais e, no meio do caminho,
acabam descobrindo como fazer melhor” opina Dulce.
“Mostre-me
alguém que nunca cometeu um erro e lhe mostrarei alguém que nunca realizou
muito.”
Joan Collins, atriz
Joan Collins, atriz
Custo-benefício -
Saber quando o bom é melhor que o ótimo. A headhunter Sandra Moreira, da
Manager Assessoria em Recursos Humanos, conta que já acompanhou diversos casos
de executivos que, por perfeccionismo, trocam o “bom” pelo “ótimo”, mas não entregam
o trabalho no prazo, usam mais tempo e recursos que o necessário e, por isso,
comprometem o custo-benefício.
Sandra diz
que o mercado exige profissionais arrojados, que tenham iniciativa, assumam
riscos, conheçam bem sua equipe, saibam trabalhar o talento, peguem as coisas
no ar; que não apenas identifiquem a necessidade do cliente, mas antecipem-se a
ela. Esse perfil opõe-se ao do perfeccionista, que acaba atrasando processos e
decisões por excesso de cautela.
Ousadia - Não
deixar que o perfeccionismo paralise, bloqueie sua ousadia e sua criatividade –
“O perfeccionista priva-se das próprias idéias. Muitas vezes tem um projeto
bom, mas fica com tanto receio de que não seja adequado o bastante que não o
expõe”, comenta Sandra, argumentando que esse tipo de profissional acaba sendo
exageradamente seletivo em suas ações, não age na hora certa, perde tempo e
ainda inibe a criatividade da equipe. Ela observa que, se o executivo, por
excesso de cuidado, atrasar o lançamento de um produto, o concorrente pode sair
na frente. “E ainda que seu produto seja melhor, se chegar ao mercado depois
que o de seu concorrente, fica com a idéia de cópia”, comenta.
“O
perfeccionismo é inimigo da criação, assim como o extremo zelo consigo mesmo é
inimigo do bem-estar”.
John Updike, escritor
John Updike, escritor
Visão global - Em
geral, o perfeccionista preocupa-se mais com sua luta obsessiva pela perfeição
do que com as necessidades e exigências reais da empresa. “Ao superestimar os
pormenores, o perfeccionista pode prejudicar o andamento de um projeto, ou
seja: sacrificar o todo pelo detalhe”, exemplifica a psicóloga Adriana Gomes,
consultora vice-presidente do Grupo Catho, advertindo, porém, que
perfeccionismo moderado é um ponto positivo na carreira, especialmente para
cargos em que a precisão e o rigor sejam fundamentais.
Entusiasmo -
Oferecer o melhor de si, mas sem se esquecer do contentamento ao longo de sua
trajetória. Nas palavras de Sandra Moreira, em vez de buscar a perfeição,
adotar o que ela chama de “preciosismo”. “As pessoas têm de trabalhar com o
coração, com entusiasmo e espírito de equipe, celebrando e repartindo suas
conquistas, por pequenas que sejam”, ensina.
Empreendedorismo - O
tempo é implacável no mundo corporativo, onde muitas vezes sobressai o mais
rápido, e não o melhor. A Microsoft certamente não seria o sucesso que é se
Bill Gates fosse perfeccionista. Mas, para o homem mais rico do mundo, o
importante não é ser o melhor, e sim ser o primeiro.
Possivelmente
foi pensando assim que lançou a primeira versão do Windows no mercado. Na
época, seu sistema operacional estava longe de ser perfeito, mas nada que o
impedisse de atingir seus objetivos. Se Bill Gates tivesse testado o programa
exaustivamente até aproximá-lo da perfeição, certamente teria perdido terreno
para a concorrência. Seu lema? “Trabalhe para valer, dê resultados e fique
rico, sem milagre”.
Livre-se do perfeccionismo!
Livre-se do perfeccionismo!
1. Observe
mais o próprio comportamento. Se identificar alguns traços de perfeccionismo, o
primeiro passo é admitir o problema e encará-lo como uma desvantagem que pode
limitar seu potencial.
2. Reflita
sobre suas atitudes mais comuns, tente descobrir o que está por trás de seu
comportamento.
3.
Estabeleça metas realistas baseadas em seus valores e não pensando em agradar
aos outros.
4. Defina
bem suas prioridades e certifique-se de que está se dedicando mais às tarefas
realmente importantes para seu trabalho, negócio ou para seu projeto de vida.
5.
Reconheça-se como uma pessoa de valor pelo ser humano que é, independentemente
de suas realizações. De fato, vivemos em uma sociedade que valoriza
excessivamente o que o indivíduo faz em detrimento do que ele é. Mas você não é
obrigado a adotar esse sistema de valor em sua vida. Aceite-se como é, com suas
virtudes e falhas, e as pessoas o aceitarão também.
6. O preço
do perfeccionismo é alto demais, recuse-se a pagá-lo. Não deixe que o desejo de
ser perfeito tire-lhe a satisfação e o prazer da vida. Se deixar o
perfeccionismo tomar conta de você, viverá constantemente estressado, exausto e
poderá ficar sozinho. Afinal, como ninguém é perfeito, sua companhia se
tornaria inadequada, desagradável.
7.
Permita-se a errar e não se puna por seus erros, aceite suas limitações.
Entenda que as falhas fazem parte da vida de todos, especialmente dos
realizadores, e muitas vezes são indispensáveis para o aprendizado e o
crescimento. Visualize seu futuro sucesso, em vez de agarrar-se ao aparente
fracasso. Analise a situação e veja como poderá agir melhor da próxima vez.
8. Seja
tolerante com seus críticos e aprenda com eles, não leve as críticas para o
lado pessoal.
9. Comemore
mais suas realizações. As pessoas tendem a esquecer e até menosprezar o que já
conquistaram. Rever suas conquistas é um bom exercício para aumentar sua
autoconfiança.
10. Tente se
divertir ao longo de suas atividades. Para isso, pense no processo de
aprendizagem em si, viva cada fase, evite apegar-se apenas ao resultado final.
11. Ao
sentir frustrado por não ter atingido determinado propósito, reflita sobre a
questão. Talvez seja mais um objetivo irreal e inatingível. Se for o caso, dê o
basta ao sentimento de frustração e siga em frente.
12. Enfrente
seus medos. O que você teme? Seu medo é baseado em fatos reais ou imaginários?
13. Avalie
quais são seus verdadeiros valores e veja se está vivendo de acordo com eles ou
está seguindo princípios impostos pelos outros.
14. Aceite
elogios – Ao ser cumprimentado por uma tarefa bem-feita, agradeça. Nada de
dizer que poderia ter saído melhor ou dar outra desculpa do gênero. Se o elogio
foi sincero, ótimo. Senão, o problema é de quem o fez, que está sendo falso, e
não seu.
15. Seja
mais generoso consigo mesmo. Não leve a vida a ferro e a fogo, aprenda a
apreciar a companhia das pessoas queridas, dedique-se mais a amigos, familiares
e a atividades que lhe proporcionam alegria e prazer.
16.
Compreenda que você não precisa ser 100% para ser feliz. A perfeição é um
atributo divino, está fora do alcance dos simples mortais.
17. E se
isso não amenizar sua tendência ao perfeccionismo, procure a ajuda de um
profissional. Afinal, é seu bem-estar que está em jogo.
Maria de
Lima é mestranda em Psicologia Experimental: Análise do Comportamento
pela (PUC-SP). Graduou-se em jornalismo pelas Faculdades Integradas Alcântara
Machado (FIAM-SP). Trabalhou para a Rádio Alpha FM, Revista VENCER!, entre
outros veículos. Foi articulista do Management, caderno sobre carreira e gestão
do Semanário Econômico (Portugal).}
Contato: mariadelima@terra.com.br
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